Capítulo 1 – O Primeiro Final Feliz


Naquela manhã havia um pequeno alvoroço em frente ao prédio de onde a família partiria numa longa viagem. Estavam se mudando, pois, após muito esperar, o pai finalmente conseguira a transferência da capital para o interior do Estado. Logo que o sol nasceu as mulheres já começavam a chegar trazendo vasilhas com bolos e tortas diversas, lembrancinhas, presentes e mimos. Eram vizinhas, irmãs, tias, primas, crianças, jovens e velhas. Houve muitos abraços, beijos, choros promessas e recomendações. Os garotos também se despediam dos amigos. Embora por muitas vezes aqueles meninos houvessem brigado, aquele era o momento da separação dos melhores amigos do mundo que juravam amizade eterna.

À centenas de quilômetros daquela agitação, se encontrava um lugarejo quieto e isolado. Apenas uns poucos murmúrios de animais davam sinal de que algo estava vivo naquela fazenda. Era uma casa pequena com um cão na varanda, olhando quieto lá para dentro. Ora entrava, ora saía, rodeando de modo muito cachorresco um velho que mal se levantava da cama. Depois saía dali e voltava a rodear o pequeno curral. Era somente o cão solitário quem cuidava de tudo que havia ali. Há muito tempo ninguém mais se aproximava do homem que agora estava com a vida por findar.
Talvez o velho trêmulo sobre a cama não fosse capaz de reconhecê-lo ou se lembrar de algo que já haviam feito juntos, mas o cão ainda se lembrava dos dias em que, alegremente, rodeava o homem rabugento que o ensinou a ser valente e fiel.
        Mesmo quando o lugar já parecia abandonado e deserto, o valente cão cuidava para que todos pudessem continuar juntos. Punha as galinhas para ciscar por toda parte, para que nem um fio de capim se erguesse ao redor da casa ou do curral. Também abria o aprisco e levava os animais para pastar e beber, depois os recolhia. Cuidava em manter o gato dentro de casa o máximo de tempo possível e vigiá-lo para que não se aproximasse dos pintainhos. Mas, depois de passarem muito tempo sem ouvirem a voz do dono, nem verem seu rosto, muitos dos animais já não consideravam mais que sua existência fosse real.
           Com o passar dos dias, o cão começou a pensar que, sozinho, não poderia tomar conta de todos, já não tinha as mesmas forças da juventude, nem o sonho infantil de ser um herói. Queria apenas sobreviver. Mas não era a morte o que temia, o que não podia suportar era o pensamento de que tudo ali se acabaria.
        – Cajado – num surto de lucidez, o homem o chamava com a voz rouca e fraca. Então, muito feliz, ele se encostava à cama do dono que o afagava com seus dedos tortos e calejados. Nestes momentos, seu medo era sufocado pelo som da voz do homem sussurrando:
        – Ele está chegando, menino, logo você vai ver.
     Mesmo tão fraco, naquele momento o velho parecia ressurgir de pensamentos inertes para uma lembrança vívida. Não acontecia o tempo todo, nem todos os dias, mas era por um destes momentos que o cão esperava durante as longas horas em que ficava sentado à porta, olhando para dentro do quarto, insistindo em olhar para ele, movendo seus pensamentos, dando cores às suas memórias. Até que, aos poucos, um quadro se pintava e o dono chamava seu nome.

       Pela rodovia os meninos, incomodados pelo calor, se admiravam dos isolados arredores do caminho. Parecia que a viagem não terminaria nunca e que logo chegariam ao fim do mundo. Era difícil acreditar que existisse lugar tão distante e que aquele carro fosse mesmo capaz de concluir o infinito trajeto.
        – Já estamos chegando? – perguntavam a todo o momento.
     – Lá aonde vamos morar é assim? – queriam saber ao verem as extensas pastagens cercadas por capoeira, habitada por uma palmeira solitária ali e lá entre os cupinzeiros. Então a mãe contava suas memórias sobre a infância que teve na fazenda para onde iam. As crianças então imaginavam como poderia ser a nova vida, assim como o pai, que lá esteve poucas vezes.
        – Tem animais? – quis saber o pequeno.
        Pela estrada de areia branca que ia da porteira à casa da fazenda, vinha um cão para ver seu amigo que lá morava. Quintal e Cajado eram amigos desde a infância, mas com vidas muito diferentes. Desde que o velho da fazenda adoeceu e não pôde mais cuidar de seus bichos, Quintal insistia em levar Cajado para morar na fazenda vizinha.
       – Tem alguém aí? – Quintal latiu assim que chegou.
       Cajado apareceu e apontou o focinho na porta.
       – Vamos embora – Latia Quintal.
       – Sabe que não vou, ele me disse para ficar e esperar…
       – Vai obedecer a um morto até quando, meu amigo? Logo aparece ladrão pra levar vocês daqui.
       – Então vou esperar… Não posso deixá-los.
       – Vai ser difícil alguém querer com um cachorro crescido como você, mas os outros…
       Cajado apenas rosnou chateado. Não queria discutir outra vez aquele assunto. Então apenas encerrou a conversa:
       – Meu dono está vivo, sabe disso – latiu ele.

        – Podemos ter um cachorro! – o menino empolgado listava os bichos que mais queria ter.
        – Sim, cachorro também – confirmou a mãe assim como já havia feito a cada animal citado.
        – E um cavalo... – lembrou o maiorzinho.
        Desviaram para o acostamento e pararam debaixo de uma mangueira à beira da estrada. Lá tomaram café e comeram bolos que haviam sido preparados pelas tias amorosas das quais se despediram horas antes.

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